terça-feira, 11 de junho de 2024

A CAIXA MÁGICA

Quando era estudante na UFLA, lá pelos idos de 2001, um professor contou-me esta historinha que julgo ser salutar e edificante:

Um fazendeiro reclamava que sua propriedade nada produzia. Só dava prejuízos e muitas dores de cabeça. Angustiado, vivia culpando o governo, o tempo, a falta de chuvas, os seus empregados, enfim, tudo e todos, pela sua situação desesperadora.

Um dia, um amigo indicou-lhe um sábio que, talvez, o ajudasse a resolver seus problemas. Apesar de um tanto cético, o fazendeiro acabou cedendo aos argumentos do amigo e foi conversar com aquele homem. 

Chegou onde o sábio habitava. Contou-lhe todas as suas dificuldades, todos os seus tormentos com aquela fazenda que só dava prejuízo. O sábio nada dizia; mas pela conversa daquele sujeito, ele já sabia, o que fazer.

Foi até seu escritório e de lá trouxe uma caixa de madeira. Uma caixinha pequena, simples e comum. O sábio lhe disse que era uma caixa mágica, que iria resolver todos os seus problemas. Deu-a ao fazendeiro com a seguinte recomendação: ele deveria, todos os dias, ir com ela pelos quatro cantos de sua fazenda. De manhã, iria para o norte, à tarde para o sul; no outro dia, para o leste, e assim por diante. Dentro de um ano ele deveria retornar para lhe relatar o que havia acontecido.

O fazendeiro pegou a caixa e, meio desconfiado e descrente, voltou para sua fazenda.

No dia seguinte, começou a fazer o que o sábio havia indicado. Saiu com aquela caixa debaixo do braço e rumou para o norte, onde havia um imenso pasto para roçar. Ao ver aquele pasto tomado pela erva daninha, deu ordens aos seus empregados para irem lá e começar a roçá-lo. E assim foi feito.

À tarde, ele caminhou para o sul, onde estava plantado um cafezal muito grande, mas sem os devidos tratos culturais. Ao ver aquele cafezal tão desmazelado, ordenou aos seus empregados que tomassem as providências. E assim, também, foi feito.

E todos os dias, ele seguia uma direção diferente e sempre achava alguma coisa para fazer, para colocar em ordem. Tratava de consertar o mais rápido que podia. Passou a dedicar mais de seu tempo à fazenda. E não via as horas passarem. E sempre com aquela caixa mágica debaixo do braço.

Depois de um ano, a fazenda tinha um novo aspecto. Havia melhorado sua produção e já começava a sair do vermelho. O proprietário ficou espantado: meu Deus, esta caixa é realmente mágica!

Como havia combinado, retornou à casa do sábio. Quando lá chegou, começou a contar-lhe o que acontecera: a fazenda estava indo bem. Disse que desejava ficar com aquela caixa mágica. Pagaria o preço que custasse. O sábio pôs-se rir e respondeu-lhe: 

- Meu caro, esta caixa não é mágica. É tão comum como outra qualquer. O que fiz foi apenas alertá-lo para que tomasse conta de suas coisas e que liderasse seus subordinados. Apenas isto. Nada vem fácil. Toda conquista tem seus custos. Apenas quando queremos fazer, podemos melhorar.”

 Como diriam os antigos, em sua inestimável sapiência: “é o olho do dono que engorda o boi”.

2010

 

TODOS SOMOS IMPORTANTES

Havia uma grande discussão na carpintaria. As ferramentas estavam discutindo para saber qual delas era a mais importante. O Martelo foi o primeiro a falar:

 - Sou o mais importante de todos! Sem mim como seriam batidos os pregos para segurar a madeira?

A Plaina não permaneceu calada:

- Esta é boa! Sou eu a mais importante! Sou eu quem dá o acabamento e as feições à madeira!

O Serrote protestou:

- E se esquecem de mim? Quem é que corta a madeira bruta, deixando-a pronta para que possam trabalhar nela? Sou eu! Logo, sou o mais importante!

A Verruma também falou:

- Ora! Quem faz os buracos, um trabalho muito mais difícil e complicado!

Os pregos e os parafusos protestavam em coro:

- Para que serviriam vocês se não juntássemos as peças de madeira?

Foi a vez da Régua:

- Eu sou a precisão, o exato! Sou a mais importante!

Estavam nisto, quando o Carpinteiro de Nazaré entrou na carpintaria para fazer um púlpito. Separou a madeira, a serrou; mediu-a; a cortou; aplainou-a; escolheu os pregos e os parafusos necessários, fez os orifícios para colocar os parafusos e por fim pregou as partes que iriam formar a obra. Trabalho encerrado e obra feita, pôs-se a contemplar sua criação.

As ferramentas nada disseram, pois estavam muito envergonhadas. Todas haviam participado daquela obra; logo nenhuma era mais importante do que outra. Todas tinham importância, todas eram essenciais, pois se uma delas faltasse, a conclusão daquela obra seria impossível.

Assim também somos nós: todos nós somos importantes, pois temos talentos e dons. Somos “ferramentas” que o Grande Criador utiliza na construção do Bem Comum.

2010


ESCOLHAS...

Uma professora, querendo ensinar algo mais a seus alunos, fez um dia, o seguinte teste: perguntou-lhes quem salvariam, se pudessem salvar só uma pessoa de um grupo de três. Quando os alunos disseram que haviam entendido, ela traçou o perfil de cada uma:

O primeiro é surdo.

O segundo é paralítico.

O terceiro é saudável e disciplinado.

Os alunos começaram a rir: oras, a escolha era óbvia. Todos, sem exceção, escolheram a terceira pessoa. Afinal era a escolha da pessoa mais apta, não era?

A professora já antevia a resposta de seus pupilos. Então, olhou para cada um deles e disse-lhes:

- Fizeram a escolha mais lógica. Eu também, a princípio, faria a mesma escolha. Mas vejam bem: cuidado com as suas escolhas!

Os alunos ficaram por entender. A mestra explicou-lhes:

O surdo que vocês deixaram morrer era Ludwig von Beethoven, compositor alemão, um dos mais talentosos músicos que já existiu. Ele compôs grande parte de sua obra praticamente sem ouvir.

O paralítico que vocês rejeitaram foi Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, um dos maiores líderes que o mundo conheceu. Quando era presidente, enfrentou desafios imensos, mas nunca deixou de acreditar na vitória de seu país, mesmo que estivesse numa cadeira de rodas.

O homem saudável e disciplinado que vocês salvaram foi Adolf Hitler, ditador alemão, que matou milhões de pessoas inocentes.

Silêncio na sala. Os alunos ficaram sem palavras. Haviam aprendido uma lição.

Escolher é difícil. E muitas vezes, a primeira impressão nem sempre é a mais acertada.

2010 


O BAMBUAL

Aquele rei havia subido ao trono muito jovem. Faltava-lhe experiência nos negócios e na política do reino. Dúvidas e indagações o afligiam e era necessário possuir sabedoria para governar. Mas, o que era governar?

Seus ministros, conselheiros e súditos se dividiam entre aqueles que propunham uma política mais progressista e radical e aqueles que defendiam uma postura mais conservadora. Os dois partidos ameaçavam deflagrar uma guerra civil e perpetrar no reino um banho de sangue. Uma situação delicada e difícil para o jovem soberano. Se não governasse, sabiamente, sua cabeça também rolaria.

Um dia, resolveu que conversaria com um mestre. Quem sabe ele o mostrasse como resolver esta terrível questão. Sua resposta seria decisiva.

O mestre o recebeu com grande alegria, pois, soube, desde o início, que aquele jovem também era sábio e que precisava apenas de uma orientação para realizar grandes coisas naquele país.

O jovem se aproximou e disse:

- Mestre, desejo governar com sabedoria e justiça, como o fez Salomão. Mas, existem, em meu reino, dois partidos poderosos: o primeiro deseja mudanças e modernidade e o segundo quer manter as tradições. Os dois são muito fortes e podem travar uma terrível guerra civil. Terei que satisfazê-los, mas, como? Julgo esta missão impossível!

O mestre olhou para aquele jovem, levantou-se e pediu que o acompanhasse. Ele o seguiu e foram até a janela. Lá fora, na mata, havia um grande bambual.

O vento batia naqueles bambus, fazia-os ruflar e sacudir, indo para lá e para cá. Então, o mestre falou:

- Observe estes bambus. São balouçados pelo vento, mas não se quebram!

Acompanham o movimento do vento, “dançam” com ele; contudo, suas bases estão fixas, bem presas ao solo, imóveis. Muitas árvores caem nas tempestades e tormentas, mas um bambual cair é muito difícil. Eles conseguem unir o dinâmico com o estático, o mutável com o imutável: um exemplo de estabilidade. Aprenda com a natureza: saiba se adaptar aos novos tempos, mas procure manter os seus valores intactos.

O jovem rei entendeu a ideia do mestre.

Voltou ao seu reino e procurou governar com justiça e sabedoria. O reino se modernizou e se desenvolveu, todavia, não foram esquecidas as suas tradições. O rei granjeou o apoio dos dois partidos que apoiaram sua política até o fim.

“A política é a doutrina do possível”. Bismarck

“Governar é saber administrar esperanças”. Bernardino Teixeira

 2010


domingo, 9 de junho de 2024

QUEM AGRADA A TODOS?

Um velho, um dia, decidiu vender sua mula na feira da cidade. Chamou seu filho e os dois montaram na mula e seguiram para a feira.

Na primeira curva da estrada, uma mulher viu os dois montados no animal e comentou:

- Meu Deus! Dois homens feitos montados nesta mula mirrada!

O velho ouviu e disse para que o filho desmontasse e seguisse a pé. Noutra curva, mais adiante, um homem comentou:

- Que velho mais folgado! Montado e o pobre do filho andando a pé!

O velho novamente deu ouvidos àquelas palavras. Colocou o filho na sela e começou a andar na frente da mula.

Iam andando, quando próximo de uma árvore, um rapaz falou:

- Veja só! O idoso vai a pé e o jovem na boa!

O velho deteve-se e começou a pensar. Nada do que fazia agradava. Então, para dar termo aqueles comentários, fez o que faltava: disse ao filho para segurar as patas traseiras da égua. Ele seguraria as dianteiras. Feito isto, começaram a carregar o animal!

Estavam nisto quando um grupo de aldeões viu a estranha cena. Troçaram dos dois:

- Ora vejam! Os dois endoidaram! O velho está caducando! Onde já se viu carregar uma mula!

O velho parou e sentou-se numa sombra. E disse ao filho:

- Hoje aprendi uma grande lição. Quem dá ouvidos ao que os outros falam, acaba fazendo loucuras! Farei, doravante, o que achar que é correto!

E montaram na mula. Foram à feira e a venderam por um bom preço.

Ouvi esta pequena história nos tempos do primário. Não entendi muito bem naquela época, mas hoje ela vem com uma verdade cristalina: devemos fazer o que achamos que é correto, certo e proveitoso para nós e fazer ouvidos moucos para comentários que nada irão acrescentar aos nossos projetos e planos. Que fique bem claro: comentários de invejosos e não conselhos de amigos e entendidos.

Sendo assim, fica um ditado que é muito útil e serve como ensinamento: “Nem Deus pode agradar a todos”.

2010


AÇÃO DIVINA

Certa vez, um homem teve sua casa invadida por uma enchente. Desolado, ficou na soleira da porta, enquanto as águas subiam. Os vizinhos, vendo que ele nada fazia disseram-lhe para abandonar a casa. Ele apenas falou:

- Só saio daqui se Jesus vier me buscar!

Passou uns minutos e a água já havia subido um metro. Um carro do Corpo de Bombeiros veio buscar o homem. Ele repetiu:

- Só saio se Jesus vier me buscar!

Decorrida uma hora, a água já havia subido dois metros. Um barco do Corpo de Bombeiros veio buscá-lo. Ele, impassível, repetia:

- Só saio se Jesus vier me buscar!

Depois de três horas, as águas já haviam engolido a casa. O homem estava no telhado.

Um helicóptero do Corpo de Bombeiros veio resgatá-lo. Ele continuava dizendo:

- Só saio se Jesus vier me buscar!

Por fim, a casa desabou e o homem morreu.

Quando chegou ao Paraíso, encontrou com Jesus e desabafou:

- Puxa vida! Sempre rezei, fiz caridade, me empenhei em boas obras. Fiz tudo o que o Senhor pediu. E o Senhor não veio me buscar!

O Divino Mestre olhando nos olhos do homem, apenas disse:

- Meu filho, até mandei um helicóptero ir te buscar!

Esta anedota traz um pequeno ensinamento: o que esperamos da ação divina? Esperamos que Deus faça suas obras com alarde e que se manifeste com estardalhaço? Que venha em uma nuvem, seja um vingador? Bem que Ele poderia, pois suas obras são perfeitas. No entanto, Deus é discreto. E se manifesta, discretamente. Cada dia, cada noite, cada vida é um milagre que acontece a todo o momento, em todo lugar. Deus age de maneira sutil e só quando ouvimos com o coração podemos compreender suas ações, no mundo, no universo e em nós.

2010


UNIDOS CONSTRUÍMOS NOSSA FORTALEZA

Numa savana da África, existiam quatro búfalos. Eles pastavam naquela planície, desfrutando uma vida tranquila e agradável: havia muito pasto, água límpida e fresca.

Enfim, tudo o que desejam estava ao alcance deles.

Nesta mesma savana, morava um leão. Sempre rondava aqueles quatro búfalos, buscando devorá-los. Todavia, seus planos eram baldados.

Assim que os búfalos sentiam a presença da fera, juntavam-se no meio da planície, formando um círculo. Com seus chifres ameaçadores, apontados em sua direção, o felino nada podia fazer: tinha que recuar e deixá-los em paz.

E assim era: toda vez que o perigo se aproximava daqueles animais, eles, seguindo seus instintos, iam para o centro da savana e armavam as suas defesas: todos defendiam todos. E o feroz carnívoro batia em retirada.

Mas, um dia, os búfalos começaram a se desentender. Surgiram atritos, brigas e eles se separaram. Era tudo o que leão queria.

Atacou-os e os emboscou, separadamente. Nenhum sobreviveu: todos foram trucidados pela fera.

Moral da historinha: a união faz a força, unidos construímos nossa fortaleza. De fato, cada pessoa tem os seus próprios interesses e possui os seus próprios objetivos. Possui suas qualidades e seus méritos. No entanto, é necessário que haja união para fazermos as grandes coisas. É imprescindível que exista cooperação para alcançarmos o Bem Comum. Quando cada pessoa dá o melhor de si para construir algo melhor, oferta seu tempo e suas habilidades, concentra seus esforços na realização de obras comunitárias, o resultado é sempre positivo. Quando cada um se afasta, fica alheio ao que acontece à sua volta, luta sozinho, ele perde, todos perdem. Unidos somos fortes. Só quando este pensamento for levado a sério é que poderemos fazer o que antes julgávamos ser impossível.

Quando os homens se unem, perdem a noção de suas fraquezas”. Montesquieu

“Não fez. Ajudou a fazer”. Geraldo Raimundo de Sousa – LALAI

2010

 

A DIVERSIDADE GERA A UNIDADE

Um discípulo, certa vez, indagou ao seu mestre:

- Mestre, por que existe tanta diferença entre os homens? Por que existem tantas raças, credos, línguas, povos e nações? Por que cada um tem suas características próprias que o tornam diferente dos demais, causando conflitos e dificuldades que acontecem em todo o mundo? Não seria melhor se Deus fizesse cada homem igual? Se Ele o assim fizesse, não haveria guerras, brigas e o mundo viveria em paz.

O mestre olhou para o horizonte e, após pensar algum tempo, respondeu à indagação do pupilo, que ansiava por suas palavras de sabedoria:

- Sim, meu caro. Podes até ter alguma razão em sua teoria: se todos fôssemos iguais, iríamos gostar das mesmas coisas e não aconteceriam conflitos e guerras entre os seres humanos. Todavia, pensai bem: se houvesse um só tipo de ser humano, uma só raça, uma só crença, uma só língua e uma só nação, o mundo seria mais triste, pois o que torna a vida alegre é a diversidade de cores, raças, credos e línguas. O ser humano, sendo múltiplo, realiza coisas incríveis.

O discípulo pediu um exemplo. O Mestre não se esquivou:

- Olhai para sua mão. Veja seus dedos. Se todos os seus dedos fossem iguais, você poderia realizar um número diminuto de tarefas. Como cada um possui um tamanho diferente, a mão é uma ferramenta maravilhosa. E todos eles são os dedos da mesma mão, apesar de diferentes. Em suma: a diversidade gera a unidade. O discípulo entendeu a lição do mestre. O progresso humano não é conseguido pela uniformidade, pela padronização de pessoas ou de determinado grupo ou raça. Quando respeitamos o que é diferente estamos aceitando a nossa unidade, a grande irmandade a qual todos nós pertencemos.

 

A CRUZ MAIS PESADA

Havia um homem que sempre reclamava a Deus, dizendo que sua cruz era muito pesada: sua vida era um amontoado de problemas e ele era a pessoa mais infeliz do mundo.

Seu vizinho tentava acalmá-lo, dizendo que existiam pessoas em situação pior; todavia, nada o fazia mudar de opinião. Sua cruz era a mais pesada da face da terra!

Certa noite, este homem teve um sonho. No sonho, ele estava no depósito das cruzes. Lá podia se ver todos os tipos de cruzes, dos mais variados tamanhos e tipos.

Então, se deparou com o Filho do Homem que lhe falou:

- Já que reclamas tanto da tua cruz, deixarei que escolhas a que quiser!

O homem ficou sem palavras; seus olhos se detiveram numa cruz de ferro, muito grande e pesada.

- De quem seria esta? – perguntou.

- Esta pertence ao teu vizinho – disse o Divino Mestre.

O homem ficou envergonhado: com uma cruz pesada daquelas, seu vizinho era uma pessoa serena, tranquila, que não reclamava da vida que levava.

- Vamos, faça já a tua escolha! – ordenou Jesus.

O homem procurou por algum tempo; por fim, encontrou uma que lhe apetecia: uma pequena cruz de madeira, que ele julgou ser a menor das que havia naquele estranho lugar.

Quando ia deixando o depósito, notou que todas as cruzes possuíam nomes, os nomes das pessoas a que pertenciam.

Curioso, ele olhou para aquela pequenina cruz e viu que seu nome estava nela.

Um homem vivia se queixando porque só comia bananas, mas parou de reclamar quando viu outro homem comendo a casca.

2010


quinta-feira, 6 de junho de 2024

A MOÇA DA JANELA

Todos os dias, aquele rapaz passava por aquela rua, indo para o trabalho, e sempre via, a mesma moça na janela.

Era linda: não deveria ter mais do que vinte anos. E ela sempre sorria para o rapaz.

O tempo foi passando e ele sentiu totalmente atraído por aquela moça. Nunca a havia visto nas festas da cidade; somente a via na janela de sua casa. Por fim, descobriu que estava completamente apaixonado.

No outro dia, ao passar por aquela rua, viu a moça na janela, mas desta vez, não iria passar direto: se deteve em frente ao portão da casa e decidiu entrar.

Ao vê-lo, a moça entrou. Ele ficou sem compreender. Tocou a campainha da casa.

Veio lhe atender uma senhora idosa, de aparência sofrida.

O rapaz perguntou se poderia conversar com a jovem que morava naquela casa. A mulher ficou atônita: disse-lhe que não morava moça alguma, vivia sozinha.

Não acreditando na mulher, entrou um pouco mais e viu um retrato da jovem na parede da sala. Apontando disse:

 - Aquela ali. A do retrato!

 A mulher levou as mãos ao rosto e pôs-se a soluçar: O rapaz não entendeu a reação daquela senhora.

 - O que houve? Disse algo demais!?

 - Que brincadeira de mau gosto – retrucou a mulher.

 - Como assim!? – redarguiu o rapaz. A vi há poucos minutos na janela!

 - Como se ela morreu há vinte anos! – fuzilou a senhora.

 O rapaz sentiu-se sem chão. As pernas bambearam e o seu rosto ficou lívido. A senhora fez questão de levá-lo ao quarto da filha, intacto desde sua morte. Havia uma foto na cabeceira da cama. Era de outro jovem, noivo daquela moça, bem parecido com o rapaz.

 A mulher lhe explicou que sua filha iria casar, mas foi acometida de uma doença incurável que a matou. E reparando na semelhança física, disse:

 - De fato, você é bem parecido com ele!

 O rapaz foi embora, pediu desculpas à senhora e nunca mais passou por aquela rua.

2003


O CASACO MARROM

Fazia um frio terrível. O vento batia nas árvores, fazendo um barulho assustador.

Numa pobre casa, a velha mulher gemia, delirava, vítima de uma febre. Sentia a vida se esvaindo a cada minuto.

Quem poderia chamar um médico que morava a alguns quilômetros dali?

O médico, em sua casa confortável, sentado em sua poltrona, lia o jornal, em frente à sua lareira imensa, alheio ao frio que fazia lá fora.

De repente, a campainha toca. O médico levantou-se e foi atender.

Era uma garotinha, dez anos no máximo, envolta num casaco marrom:

- Doutor, minha mãe está doente! Precisa ir vê-la agora!

- Claro que sim! Onde ela mora?

- Naquela casa, lá embaixo. – respondeu a menina.

- Espere que vou me aprontar!

O médico foi até seu gabinete, apanhou sua maleta e colocou um agasalho.

Estava preparado para sair, mas a menina já tinha ido embora.

- Deve ter ido na frente, avisar a mãe – pensou consigo.

Depois de uma caminhada debaixo do frio que castigava, chegou à casa da mulher e a atendeu. A medicou e o seu quadro melhorou em pouco tempo.

Antes de ir embora, o médico lhe deu os parabéns, por possuir uma filha tão dedicada e amorosa.

A mulher olhou espantada e disse-lhe:

- Filha!? Eu não tenho filha. Aliás, tinha uma filha, mas ela faleceu há muitos anos. Só o que me restou dela é este casaco marrom.

O médico, transtornado pela fala da mulher, pediu para ver o casaco.

Ela lhe mostrou e o homem ficou boquiaberto: era o mesmo casaco, sem dúvida, que a menina filha daquela mulher, tinha usado horas antes, pedindo ajuda para a sua mãe doente.

2003

  

O VESTIDO DE NOIVA

Faltava pouco para se casarem. Depois de tanta luta e sacrifício, enfim, iriam realizar o sonho de suas vidas.

Ela cuidava dos últimos retoques da festa e ele distribuía os últimos convites. Eram o retrato da felicidade.

Numa manhã, ela experimentou o vestido de noiva que iria usar na cerimônia. Estava lindíssima.

Estava nisso, quando ouviu a campainha. Esperava não ser o seu noivo, pois não queria, em hipótese nenhuma que ele a visse deste modo, pois traria falta de sorte.

Na verdade, era um antigo namorado. Vinha lhe dar os parabéns pelo casamento.

Ela sentiu algo estranho: ele que a fizera sofrer por algum tempo, a tratara mal, a humilhara, tinha vindo lhe dar os parabéns. Ela tinha superado tudo, se reerguido, encontrado um rapaz que a amava imensamente.

Sentiu medo de admitir, mas não podia esconder os fatos. Ainda o amava, ainda estava apaixonada por ele.

Ele já iria embora, mas ela pediu que ficasse.

E não houve jeito: aquela paixão veio à tona num beijo demorado.

Por fim, ela se deu conta do que fizera. Sentia nojo, ojeriza de si mesma.

Mas ela a convenceu a fazer o que ela queria, mas não tinha capacidade de imaginar: fugir.

Dominada por algo maior do que ela, assim o fez: tirou o vestido, colocou-o no manequim, arrumou sua mala. Antes de ir embora, escreveu um bilhete, prendendo-o, com um alfinete, no vestido.

O noivo, ao chegar do trabalho, entrou na casa, chamando pelo seu nome. Não houve resposta.

Ao chegar ao quarto, encontrou o bilhete, onde ela lhe implorava o perdão, pedindo que entendesse.

O rapaz foi tomado por uma fúria tamanha e descontou no vestido de noiva, que foi reduzido a trapos, testemunha de mais uma desilusão amorosa.

                                                                     2003


A CAIXINHA DE MÚSICA

A mulher acorda. Dorme só. O marido está viajando, pois é vendedor. Ganha muito pouco, mal dá para as despesas do mês.

Acorda o filho para ir à escola. Prepara o seu café e ele toma, rápido. Beija a mãe e sai correndo em direção ao colégio.

Começa a arrumar a casa, sua rotina interminável: limpa, varre, lava. Quando se dá conta, é hora de preparar o almoço, pois seu filho está para chegar.

Antes, se olha no espelho.

Ainda é bonita, apesar dos afazeres domésticos e do relativo desleixo que tem com sua aparência.

Penteia os cabelos. Abre a gaveta da carcomida penteadeira e retira uma caixinha de música, destas que não se fabricam mais.

Abre a sua tampa e uma melodia enche o quarto. A música a faz voltar para um tempo que não volta, seu tempo de juventude.

Namorou um rapaz algum tempo. Fora ele quem a presenteara com aquela caixinha de música, presente de um ano de namoro.

Porém, acabaram por se separar. Ela se casou jovem. Ele foi para a capital, onde trabalhando duro, conseguiu vencer na vida.

A mulher pensava alto: será que ele ainda se lembrava dela?

A campainha tocou. Ela foi atender.

Ao abrir a porta, deu de cara com seu antigo namorado.

Com a voz embargada, pede que entre.

O homem senta-se no sofá da humilde casa. Diz que está visitando seus parentes e revolveu também lhe fazer uma visita.

Começam a conversar sobre a vida e ela descobre que ele tem um bom emprego na capital, se casou e é pai de dois filhos.

De repente, se instala um silêncio no ar.

Ela diz que vai à cozinha, mas ele a segue.

A segura pelo braço e lhe pergunta:

- Você me esqueceu? Pois eu nunca te esqueci!

Lá dentro, a caixinha de música, misteriosamente, começa a tocar.

Falta pouco para um beijo. Nisso, o filho dela chega:

- Mãe, já cheguei! Já fez o almoço?

Os dois, como que despertos de um sonho, se afastam.

O homem sai apressado. Nem sequer se despede dos dois. O menino fica curioso:

- Quem era este homem, mãe?

- Ninguém, filho. Ninguém.

E esconde uma lágrima que rola em seu rosto.

                                                                         2003


A HERANÇA

O homem já sentia a morte se aproximar. Deitado, já sentia suas forças se esvaindo.

Em sua mente, lhe viam os episódios de sua vida, os acertos e os erros. Lutara. Lutara muito.

Trabalhara duro e por isso, não vira os seus filhos crescerem. Perdera o melhor de seus filhos. Isso fazia o seu coração opresso.

Queria se despedir deles. Mandou que os chamassem.

Eles vieram, um a um, com os olhos marejados d`água, pois já sabiam do destino paterno. Os médicos nada mais podiam fazer. Restava esperar o derradeiro desfecho.

O pai, ao vê-los, juntos suas esquálidas forças e sentou-se na cama. Podia ver todos: do primogênito ao caçula. Todos estavam lá.

- Não fui um bom pai para vocês. Fui ausente em muitos momentos. Peço que me perdoem! – disse, com voz fraca.

Os filhos ficaram atônitos, sem saber o que falar.

Por fim, um filho, lhe deu uma resposta:

 - Realmente, pai, o senhor não estava presente quando mais precisamos do senhor.

 No entanto, nos deixou como herança, duas letras E de valor incomensurável.

 O velho não entendeu. Pediu a ela que explicasse.

 Ao que ele redarguiu:

 - Os dois E são: Exemplo e Educação.

 Lágrimas rolaram na face enrugada daquele homem. Depois de ouvir isso, pôde tranquilo, dormir o sono eterno, cônscio de que cumprira a sua missão de pai.

 Os pais podem deixar para seus filhos muitos bens. No entanto, a herança mais duradoura e inesquecível, a qual ninguém pode tomar, são de fato o Exemplo e a Educação.

 2003


O MENINO DO CARRINHO

O menino empurra, com custo, o seu carrinho, onde junta sucata para vender e ajudar a mãe que está doente e não pode trabalhar. Não conhecera o pai e não sabe se o mesmo está vivo ou morto.

O carrinho está apinhado de sucata. É um peso demasiado grande para uma criança de sua idade.

Mas, empurra-o, buscando, dentro de si, mais forças que possui.

Em certo momento, para em frente a vitrine de uma loja de brinquedos. Fica ali, mirando aqueles brinquedos tão belos e que nunca teve. Encosta o seu rosto na vitrine, para melhor vê-los.

O dono da loja, ao notar sua presença, admoestá-lo:

- Sai daqui, moleque. Vai sujar o vidro! Vou chamar a polícia.

Ele sai cabisbaixo, sob o olhar dos transeuntes, sentindo-se a pior das criaturas.

Está quase chegando ao lugar onde vende a sua sucata e ganha uns míseros trocados.

Tem que descer uma ladeira. Mas, como o carrinho está muito pesado, perde o controle do mesmo, que desce desgovernado, quase atropelando uma senhora.

Todo o seu conteúdo fica espalhado no meio da rua. Alguns riem, outros demonstram pena, mas ninguém o ajuda.

Ao ver a cena, o menino começa a chorar alto.

Um senhor passa perto dele e se comove. O convida para ir a sua casa que ficava ali perto.

Os dois caminham alguns metros e, por fim, chegam à casa daquele senhor.

Na verdade, se trata de um casarão, com um amplo jardim frontal.

Entram e ele lhe revela que mora sozinho; somente uma faxineira vem, semanalmente.

Oferece um lanche ao menino, que o devora com rapidez.

Assim que ele termina, o leva à biblioteca que possui. É muito grande, com muitas estantes, com centenas de livros.

Nota que os olhos do menino ficam encantados com aqueles livros. Então lhe propõe:

- Tenho aqui livros que comprei há muitos anos. Preciso organizá-los, mas não tenho tempo, pois preciso cuidar de meus negócios. Proponho que os organize para mim e para isso, lhe pagarei uma quantia semanal.

O menino quase não acredita no que ouve. Não precisará mais empurrar aquele pesado carrinho! Aceita na hora!

No dia seguinte, lá estava ele, na porta do casarão.

Aos poucos, aquele senhor foi lhe ensinando a catalogar os livros, colocá-los em ordem.

E o menino adquiriu o hábito da leitura. Passava horas e horas lendo.

Depois que sua mãe falecera, passou a morar no casarão. O homem o adotou como filho e o matriculou no melhor colégio da cidade.

Logo, começou a cursar a Faculdade de Medicina, onde se destacou.

Na formatura, aquele senhor estava presente, mesmo com a saúde combalida. Após a cerimônia, os dois se abraçaram e choraram, juntos de felicidade.

O seu benfeitor morreu pouco tempo depois.

Aquele menino, que puxava aquele carrinho com sucata, havia se tornado um médico de fama nacional.

E veja só como são as coisas: o primeiro paciente que ele atendeu foi o dono da loja de brinquedos...

                                                       2003


terça-feira, 4 de junho de 2024

 A PROVA

Todos conheciam o coronel naquela região. Mandava e desmandava no lugar.

Tinha uma filha, mas não deixava homem algum chegar perto. Só a deixava ir à missa, acompanhando a mãe. Baile ou festa sozinha, nem pensar.

Havia naquele lugarejo um rapaz esperto.

Precisava quitar uma dívida e estava sem um tostão no bolso. Porém, maquinou uma ideia que lhe salvaria daquela enrascada.

Foi até o dono da mercearia, o homem mais rico do povoado, depois do coronel, e lhe propôs uma aposta: se conseguisse passar uma noite com a filha do coronel, a sua dívida seria perdoada.

O merceeiro começou a rir. Estava louco! Se o coronel sonhasse com tal possibilidade, ele o mandaria matar sem dó nem piedade.

Mas, o rapaz era insistente e fez o comerciante aceitar a sua aposta. Todavia exigiu do rapaz uma prova: uma roupa de baixo da filha do coronel. E se não conseguisse trazer tal prova, sua dívida para com ele seria dobrada.

O rapaz concordou; apertaram as mãos e se dirigiu à fazenda do coronel. O merceeiro já cantava vitória.

Antes de ir para à fazenda do coronel, passou em casa, apanhou um saco. Nele havia um chapéu de mágico e uma capa já surrada. Havia também uma caixa, com apetrechos de mágica.

Chegando à fazenda, colocou o chapéu e a capa e disse aos jagunços que vigiavam a entrada que viera para divertir o coronel e a sua família. Um deles foi comunicar ao coronel.

O coronel já conhecia o rapaz e, admirado, pediu para ele entrasse. Chamou a esposa e a filha para assistirem o espetáculo.

O rapaz realizou truques de mágica com o baralho e com a cartola.

Como já estava ficando tarde e o coronel, já cansado, pediu para que finalizasse a sua apresentação. Eram as palavras que ele desejava ouvir: meio sem jeito, disse que seu último truque era bem complicado e difícil. E sem meias palavras disse que iria precisar de uma roupa de baixo da filha do coronel!

Ele, a princípio, protestou, até ameaçou surrar o rapaz. Contudo, vencido pelos apelos da esposa e da filha, encantadas pelos truques do mágico, aquiesceu, deixando que a filha fosse buscar a peça.

Ela a trouxe e, meio sem jeito, a entregou ao rapaz. Era uma peça rendada, comprada nas lojas da capital, com o nome da moça bordado.

Então, ele fez uma série de gestos estranhos, falou palavras incompreensíveis e a peça sumiu!

Faltava trazê-la de volta, mas nada do que fez funcionou. Sem jeito, pediu muitas desculpas ao coronel. Mas ele não ligou muito: já era tarde e queria somente dormir.

Deu uma gorjeta ao mágico e pediu para ir embora.

Na manhã seguinte, chegou à mercearia, chamou o merceeiro num canto e lhe mostrou a prova: a calcinha da filha do coronel.

O homem protestou, amaldiçoou o rapaz, mas se deu por vencido, perdoando a dívida.

Duvidou que ele tivesse passado uma noite com a filha do homem mais temido das redondezas.

Mas, ele estava de consciência tranquila: tinha trazido a prova combinada e passara, de fato, uma noite com a filha do coronel. Mesmo que fazendo apenas truques de mágica.

 

DESTINO

Era um policial.

Exercia, determinado, a sua profissão. Todos, no distrito, o admiravam por sua dedicação, amor ao trabalho e à honestidade.

Por ser tão honesto, não galgara muitos postos na corporação. Mas, não se incomodava com isso: podia dormir sossegado à noite, com a consciência em paz, certo do dever cumprido e poder deixar um bom exemplo para seus filhos.

Havia, porém, uma coisa que o deixava inquieto: seu irmão era um famoso assaltante de bancos. Poucos sabiam disso.

Uma noite, houve um assalto num grande banco da cidade. Os ladrões foram descobertos e foram cercados pelos policiais.

Cientes de sua condição difícil pediram para conversar com um policial, pois queriam se entregar sem resistência.

Ele foi escolhido para negociar com eles, pois fora treinado para este tipo de situação.

Ao entrar, descobriu, que um dos ladrões era o seu irmão. Ficou desnorteado, mas soube ocultar.

O irmão, ao vê-lo, o abraçou. Fazia tempo que não se viam. Mas ele, permaneceu imóvel, distante e frio.

- Você está ainda nesta vida! – disse o policial.

- Faço o que gosto! Mas, você está aqui para me ajudar, não é? – respondeu o bandido.

- Aqui, não posso! Você é o bandido e eu sou o policial! O melhor é se entregar. – falou ele.

Um dos ladrões, ao ver aquela situação, perdeu o controle e começou a atirar.

Uma das balas iria atingir o policial, mas seu irmão ficou em sua frente. A bala atingiu o coração do homem, matando-o instantaneamente.

Os outros policiais invadiram o prédio, rendendo os demais assaltantes.

O policial se abaixou e, chorando, abraçou o corpo inerte do irmão.

Lembrou-se da infância distante, das coisas que faziam juntos. Nas brincadeiras, sempre muito parecidos: determinados e ousados.

Todavia, seguiram caminhos diferentes na vida: ele o da lei, seu irmão, o do crime.

 

A MENINA

Aquela menina havia se tornado uma obsessão para ele. Desde que a vira, saindo da escola, não a conseguia mais esquecer.

Em casa, com a mulher e os filhos era ausente e distante: só tinha olhos e pensamentos para aquela menina que nem sabia o nome, nem onde morava.

O tempo passava e ele ia se convencendo que se, pelo menos, não conversasse com ela, ficaria louco.

No momento azado, a abordou.

Perguntou, de pretexto, onde ficava determinada rua. Ela, muito educada, lhe indicou.

E todos os dias, ele a perguntava sobre determinado endereço e ela lhe respondia prontamente. Perguntou se poderia acompanhá-la até sua casa. Ela disse que sim, sem perceber o perigo que corria.

Mas, o seu desejo aumentava a cada dia. E ao vê-la, assim tão perto de si, decidiu que iria sequestrá-la.

E realmente tentou o insano ato: a agarrou e ela tentou-se desvencilhar. Pessoas surgiram para socorrê-la e logo a polícia o prendeu.

Sua família ficou atônita, pois sempre fora um dedicado esposo e pai amoroso. De fato, não se entende. As pessoas quando tomadas por uma espécie de paixão obsessiva, não mensuram a consequência de seus atos. Prejudicam os outros e, sobretudo, a si mesmas.


A MÉDICA

O pai criava os filhos com rigidez. Exercia um tirânico controle, ainda mais sobre as filhas.

Elas deveriam ficar em casa. No máximo, irem à igreja. Bailes, quermesses, nem pensar.

Uma de suas filhas era muito inteligente e deseja estudar. Isto para aquele homem era um completo absurdo.

Porém, burlando a vigilância paterna, a menina começou a frequentar uma escola noturna. Quando o pai pensava que ela estava dormindo, ela estava aprendendo e se encantando com o mundo do saber. Tinha tomado uma decisão: queria ser médica.

Ao saber que sua filha estudava, o pai decidiu que lhe daria uma surra. Com medo, ela fugiu.

Foi para a capital, praticamente com a roupa do corpo. E lá conheceu o mundo: pessoas boas e ruins passaram em seu caminho.

Arrumou emprego de faxineira, empregada doméstica, caixa em supermercado.

Trabalhava de manhã e a tarde. Estudava a noite. Nunca abandonou os estudos, por mais dificultosa que fosse a sua situação.

Com a ajuda de uma ex-patroa, conseguiu entrar na faculdade de Medicina. Em pouco tempo, já era a primeira da turma, conseguindo uma bolsa de estudos, o que lhe permitiu viver com algum conforto.

Formou-se. Fez residência em muitos hospitais.

Um dia, chegou uma ambulância vinda do interior. Era um caso grave e ela foi chamada para atender um senhor que já estava entre a vida e a morte.

Ela, com todo o seu conhecimento e habilidade, o fez voltar à vida.

Quando o homem abriu os olhos, não podia acreditar: era a sua filha!

Abraçou-a e pediu perdão por tudo que a tinha feito passar.

Ela o convidou para morar com ela, no apartamento que há pouco comprara. Mas, ele recusou.

Voltou para o interior. E a filha sempre o visitava, cuidando de sua saúde.

E assim, ele viveu por mais alguns anos, sossegado e sereno, como se tivesse tirado um enorme fardo de suas costas. E morreu, adormecido, tranquilo. Em paz.

 

A VINHA DO REI

O rei estava muito nervoso. Estava assim há anos. O motivo do seu mau humor era não encontrar um vinho que satisfizesse o seu paladar exigente.

Era um grande admirador de vinhos. Possuía, em sua adega, uma enorme variedade, alguns raríssimos, que valiam uma fortuna. Mas, nenhum destes vinhos, tão caros e valiosos, parecia agradar ao rei que governava de maneira despótica aquele país.

O povo ameaçava se rebelar, os ministros o alertavam para a situação periclitante que se encontrava o reino, mas ele só se preocupava com a busca do vinho ideal.

Mandou seus emissários aos confins da terra, aos países mais longínquos para lhe trazerem este vinho especial.

Muitos morreram nestas viagens. Outros se perderam e nunca mais foram encontrados.

E o rei continuava sendo cruel com seu povo, aumentando os impostos que já eram altos.

Um dia, o rei estava passeando pelos pátios de seu castelo, quando viu um criado que vinha trazendo uma jarra de vinho. Fazia calor e o rei cansado e desiludido de sua busca sem fim, ordenou ao servo que lhe desse um pouco daquele vinho.

O servo, obediente, buscou uma taça e encheu-a de vinho para o rei.

Ele bebeu e achou o seu sabor excelente! Sua busca havia terminado! Encontrou o seu vinho afinal!

Perguntou ao criado onde havia conseguido aquele vinho.

Ele lhe respondeu:

- Ora, meu senhor, em sua vinha.

O rei custou a acreditar. Com o coração apertado, descobrira que sua busca fora inútil: o melhor vinho era produzido em suas próprias terras.

Após este episódio, o rei mudou. Ouviu seus ministros, respeitou o seu povo e o país prosperou.

“Muitas vezes, procuramos coisas que nos agradam em lugares muito distantes. E elas podem estar bem perto de nós”.

domingo, 2 de junho de 2024

O BAILE

Conhecia bem aquele olhar. Sentia que aquela moça queria conversar com ele. Porém tinha medo de uma aproximação. 

Ele temia ser rejeitado, sentir-se humilhado. Medos de um garoto tímido.

Mas, ela era tão bonita! O corpo já formado, um belo sorriso.

Será que estaria realmente sozinha? Não haveria um namorado, em algum lugar?

Sentia que se arrependeria amargamente se não, pelo menos, conversasse com ela.

O baile continuava. As músicas se sucediam numa harmonia incrível.

E ele parado; ela parada, num impasse que poderia durar para sempre.

Contudo, ele sentia crescer, dentro de si, uma força irresistível, incontrolável, que o fazia querer se aproximar dela.

Sentia um frio na barriga, tão comum quando se está diante de um desafio.

Por fim, aproximou-se dela.

Não sabia, ao certo, o que dizer. As palavras não saíam de sua boca.

Contudo, passados alguns instantes, sentiu-se mais confiante e conseguiu dizer alguma coisa.

Descobriu que, se demorasse mais alguns minutos, ela iria embora. Não era daquela cidade e suas amigas tinham a deixado sozinha, indo dançar com os namorados.

Ele a convidou para dançar. E durante, uma dança, houve o primeiro beijo dos dois.

Namoraram, casaram-se e tiveram os seus filhos.

A vida é repleta de situações similares como essa: qual o momento certo para avançar, permanecer ou recuar? Na realidade, a própria existência se resume a isso; as terríveis e inevitáveis escolhas.

O momento pode passar por nós. Portanto, deve-se sempre tentar e se, não for a hora certa, tenhamos paciência. Mas, quem sabe: poderá haver um pote de ouro no fim do arco-íris...

2003 



O CORAÇÃO DO FILHO

Fazia tudo por aquela mulher. Jogava-se aos seus pés, satisfazia todos os seus caprichos.

Estava totalmente dominado por uma paixão que, a cada dia, tornava-se um vício repugnante.

Dilapidava a fortuna de sua família comprando todo tipo de presente para ela. A esposa tentava detê-lo, mas ele a intimidava com ameaças.

Aquela mulher tinha uma mente perversa. Já tinha tudo o que queria daquele homem, mas ainda desejava uma última coisa. Prometera a ele que, se satisfizesse este seu último pedido, ela seria dele para todo o sempre.

Os olhos daquele pobre homem brilharam. Com a voz embargada pela emoção, perguntou o que seria este último pedido.

Com o olhar frio e lancinante, fulminou:

- Se realmente me amas, quero que me traga o coração do seu filho!

Ao ouvir isso, o homem se encheu de pavor. Ela não poderia estar falando sério. Será que entendera bem?

Ela repetiu. O homem caiu num abismo, um vão se abriu sob seus pés.

Saiu dali e caminhou até sua casa.

O filho veio recebê-lo, com aquele sorriso que ele conhecia muito bem. Disse que iriam passear. A criança concordou.

Em algumas horas, o homem retornou à casa da amante. Ela, ao saber que era ele, ficou muito aborrecida, pensando em que ele viria para somente importuná-la.

O recebeu, mas notou que sua face era soturna, sombria.

Trazia um embrulho e o jogou no chão, dizendo:

- Toma! Isto é o que pediste!

A mulher apanhou o embrulho e o abriu com cuidado.

Ao descobrir o seu conteúdo, quase teve um colapso: era o coração da criança, pequenino, que ainda batia!


O QUADRO

Aquele famoso pintor acabara de se casar com uma mulher belíssima.

Extasiado com a beleza de sua esposa, decidiu que a pintaria num retrato.

Partiram para uma casa no campo, afastada de qualquer interferência de terceiros.

Lá chegando, o artista preparou a tela, arrumou as tintas. Pediu para que sua mulher se sentasse num banco e começou a pintá-la.

Pintava com firmeza e perfeição, dignas do seu talento, dignas desta nobre arte.

A esposa permanecia imóvel, qual uma estátua, não esboçando qualquer movimento, por menor que fosse.

Os dias se passaram e o pintor se esquecera de comer ou dormir. A conclusão daquela obra lhe tirava qualquer apetite ou sono.

Passava horas a fio pintando; se julgava que a pintura não estava perfeita, jogava-a fora e começava tudo novamente. Fazia esboços no papel freneticamente, tomado por uma paixão avassaladora.

Os pais da mulher queriam visitá-la, mas ele impedia qualquer pessoa de aproximasse da sua modelo, alegando que atrapalharia a sua obra-prima.

Passaram-se meses e o quadro ainda não estava concluído. Ele nunca estava satisfeito: sempre havia algum detalhe, alguma nuance que deveria ser acrescido ou retirado.

Permitia à esposa e a si mesmo poucas horas de sono e uma alimentação incipiente.

A saúde da mulher começava a se deteriorar, mas por muito amar o seu esposo, nada lhe revelava.

Numa tarde de primavera, o artista, finalmente, deu os traços definitivos à sua obra.

Tomado por uma incrível euforia, exclamou a plenos pulmões:

- Terminei! Veja querida! Venha ver! Como ficou perfeita!

Mas, esposa não compartilha a alegria do marido. Fica inerte, sem pronunciar palavra.

Preocupado, o homem caminha em sua direção.

Parece que está adormecida. A toca, levemente, e se enche de horror: está gélida. Está morta.

2003

 

A ENFERMEIRA

O soldado havia sido gravemente ferido pela artilharia inimiga.

Levado pelos seus companheiros de pelotão para um hospital de campanha, sentia a vida se esvaindo. Pela sua mente, passavam os momentos felizes junto a seus pais.

Delirava, acometido por uma dor lancinante que lhe cortava por dentro.

Colocaram-no numa cama e deixaram-no aos cuidados das enfermeiras, já sobrecarregadas, tentando atender centenas de outros feridos. Mas seus colegas nada mais podiam fazer: deveriam voltar para os campos da morte, aos sangrentos combates daquela guerra sem sentido.

O jovem já começava a agonizar.

Sua hemorragia só aumentava. A dor havia lhe tirado os sentidos.

Nesse instante, uma jovem enfermeira, passou a cuidar dele. Com os parcos recursos que tinha, aliado à sua habilidade, conseguiu estancar a hemorragia. O rapaz estava salvo.

Reparou no rosto daquele soldado: apesar de pálido e sujo de lama, era muito belo. O soldado também ficou encantado com as feições daquela jovem. Mas muito fraco, nada pôde dizer: exaurido, caiu em um sono profundo.

Passado algum tempo, foi assinado o armistício.

Os soldados puderam retornar para os seus lares, para as suas famílias.

O jovem, já totalmente recuperado, estava entre os que voltaram.

Começou a administrar os negócios do pai, um grande industrial. Mas não se esquecera daquela jovem enfermeira que lhe salvara a vida. Tinha feito esforços para encontrá-la, mas todos baldados.

Passaram-se mais alguns anos.

Certo dia, ao fazer uma vistoria na linha de produção de uma de suas fábricas, passando por uma jovem funcionária, sentiu o coração bater mais forte. Se deteve perto dela e ao olhar o seu rosto, não teve dúvidas: era a enfermeira que o salvara!

Emocionado, lhe agradeceu por salvar a sua vida.

“Quem planta o bem, colherá o bem e o colherá em grande abundância”.

2003

 

SALVADORA

Todos os transeuntes pararam para ver o rapaz, no alto do prédio, ameaçando se jogar.

Ele já não encontrava mais sentido para viver, deste que a noiva o abandonou. Queria acabar com a própria vida e assim findar com seu sofrimento.

Andava de um lado para outro; ameaça pular se alguém chegasse perto dele. Os policiais não sabiam o que fazer, os bombeiros estavam diante de um impasse. Certo momento, o rapaz ameaçou se jogar em direção ao vazio, mas recuou. O clima estava tenso.

O comandante da polícia não queria mandar soldados, pois temia que acontecesse o pior. Por fim, escolheu uma jovem soldado que tinha acabado de ingressar na força policial. Ela não hesitou em aceitar a sua missão.

Foi até onde o rapaz estava e aproximou-se com cuidado.

Ele ao notar a sua aproximação, correu para a beirada do prédio, ameaçando pular, caso ela não se afastasse.

Todavia, a soldado com paciência e firmeza, o fez desistir do insano intento.

Com palavras firmes e calculadas, foi ganhando a confiança do rapaz. Após uma longa negociação, ele resolveu que não daria fim à própria vida. Saiu de mãos dadas com a soldado, sob os aplausos da multidão.

A jovem recebeu uma medalha pelo seu ato e apareceu em muitos jornais e canais de televisão.

Tempos depois, ela já uma oficial, encontrou o mesmo rapaz num curso da academia de polícia. Ele também era policial e estava fazendo um curso para poder voltar à ativa.

Conversaram, namoraram e se casaram.

Os dois, segundo seus colegas de farda, formam um casal perfeito, tanto dentro, como fora da corporação.

E a todos, os quais, apresenta sua esposa, ele é enfático em afirmar:

- Esta mulher me salvou a vida duas vezes!

2003

sábado, 1 de junho de 2024

 A DOCE MELODIA

Todos os dias, a caminho do trabalho, ouvia uma voz melodiosa que se erguia pelos ares, igual a uma sinfonia mágica. Uma voz lindíssima que vinha de algum lugar misterioso.

Sempre na mesma rua, sempre na mesma hora, sempre a mesma canção. Tão suave, leve e simples, fazia com que ele esquecesse, por alguns instantes, os problemas do trabalho e em casa.

Com o tempo, foi tomado pelo desejo incontido de descobrir quem era a dona daquela voz.

Tentou descobrir perguntando aos moradores daquela rua, mas nenhum deles foi capaz de responder à sua pergunta. Ninguém ouvira nada, disseram a ele.

Seria louco então!? Só ele era capaz de ouvir aquela melodia?

Passaram-se alguns anos e a música sempre estava presente quando ele ia para o trabalho.

Colocou um anúncio no jornal, pagando para que a dona da voz se identificasse.

Muitos apareceram, porém, não eram donos daquela voz que cantava a doce melodia.

Certo dia, não a ouviu mais. A voz havia se silenciado.

Passou várias vezes na mesma rua e nunca mais ouviu a canção.

Com o tempo, esqueceu-a.

Numa tarde, voltando do trabalho, reencontrou um amigo de infância que há anos não via. Mudou-se para aquela rua havia poucos dias. A “rua da melodia”.

Foram até a casa dele.

A esposa do amigo ainda arrumava a casa, quando eles chegaram. Ele a ajudou a colocar algumas caixas na prateleira.

Depois disso, foram para o alpendre, conversar.

No meio da conversa, ela comentou que naquela casa morava uma família e que a filha do casal sofria uma doença incurável que lhe causava dores horríveis. Tinha apenas dezessete anos. Os médicos nada podiam fazer.

Segundo sua mãe, ela passava os dias cantando. Esta era a sua única diversão, que a fazia esquecer, por alguns momentos, a dor que lhe afligia.

Depois que a filha faleceu, se mudaram para o interior.

- Então era ela – pensou consigo.

E a melodia, tanto tempo esquecida, ressoou em sua mente.

2003



DOR DO PALHAÇO

Aquele palhaço irá alegrar a plateia, mais uma vez. Contudo, está muito preocupado: seu pai está no hospital, em estado grave.

Queria estar lá com ele, mas o seu pai, também um famoso palhaço, lhe pediu que não adiasse a apresentação. Não queria que as crianças ficassem sem um sorriso, sem alegria.

Pouco antes de entrar no palco, procura, desesperado, notícias paternas. Contudo, ninguém é capaz de lhe responder.

Seu coração começa a bater mais forte e lhe vem à mente, todas as cenas das apresentações que fizeram juntos. Seu pai era um mestre, um amigo que sempre o ajudou nos momentos mais difíceis, fosse no palco ou fosse na vida.

Por fim, entrou no palco. As crianças se encantaram ao vê-lo. Proporcionou a elas momentos de alegria e descontração.

No fim do espetáculo, lhe foi dada a triste notícia: seu pai falecera, enquanto apresentava-se.

Tomado por pungente dor, procurou não chorar. Veio à sua mente um pensamento que ele sempre lhe dizia, nos momentos mais complicados:

- “Quem enxuga as lágrimas alheias, não tem tempo para chorar”.

 2003


MÃO AMIGA

Aquela mulher era lindíssima. Desde cedo, já chamara a atenção dos homens.

Um dia, se apaixonou perdidamente. Em pouco tempo, já estava casada.

Mas logo, a sua felicidade feneceria. Aquele homem mostrou-se ser violento e dominador, dotado de um ciúme doentio.

A sua vida havia se transformando num tormento: ele a mantinha sob vigilância, seguia seus passos.

Certa vez, a espancou, deixando-lhe um grande hematoma no rosto. A impediu de denunciá-lo a polícia, ameaçando-a de morte.

Na rua, encontrou com um velho colega de escola. Os dois conversaram e, para a sorte dos dois, o marido estava viajando neste dia.

O rapaz lhe contou que estava estudando para se advogado e que trabalhava num escritório próximo. Ao lhe perguntar como estava indo a sua vida, a mulher não pode resistir e chorou copiosamente. Ele ficou sem ação: ela lhe relatou o que ela passava, as humilhações, o constante terror.

Ele se viu diante de um dilema: ali estava, à sua frente, o seu grande amor, que um dia, o trocara por outro, deixando seu coração em pedaços, precisando de sua ajuda.

Mas, porque ajudar? Ela não merecia. Se casara por que quisera, por sua própria vontade.

Contudo, algo dentro do seu coração, o fez mudar de ideia: iria ajudá-la.

Disse que iriam ao seu escritório e que tudo seria resolvido.

Ela se divorciou e foi viver com os pais, começando uma nova vida. O ex-marido nunca mais a incomodou.

Ele poderia pedi-la em casamento, mas não o fez. Tinha a certeza, em seu íntimo, de que, se ela se casasse com ele, não seria por amor e sim por gratidão.

2003 

 

A MESTRA

Dedicava-se muito ao seu trabalho. Gostava de lidar com crianças e pessoas.

Acreditava que, sendo professora, exercia uma grande missão. O magistério, para ela, não era somente uma profissão, mas quase um sacerdócio.

Seu marido e seus filhos reclamavam que ela não lhes dava a atenção devida: só tinha olhos para seus alunos, para suas correções de provas e preparação de planos de aula.

Sua remuneração era insuficiente para o grande trabalho que exercia. Vivia com as contas atrasadas.

Todavia, nada disso a fazia desistir de seu trabalho: na sala de aula se sentia bem, lá podia esquecer os problemas do cotidiano, o dinheiro contado, as discussões familiares e fazer o que mais gostava: ensinar e também aprender com seus alunos. Esta parecia ser a razão da sua existência.

Muitos já tinham sido seus alunos. Alguns se desviaram, indo para uma vida de crimes, mas a maioria havia se tornado homens e mulheres de bem, muitos pais e mães, cujos filhos também foram seus alunos.

Ela sempre dizia:

- Apenas planto uma semente. Se ela irá germinar, não caberá somente a mim.

E assim seguiu, anos e anos, lecionando, fazendo o que mais amava. Parecia entender os seus alunos e isto a tornava querida por todos.

E durante uma aula, sentiu-se mal. O peso da idade já se fazia sentir. Foi obrigada a se aposentar. Parou, contrariada.

O tempo passou.

Numa tarde, foi chamada à sua velha escola. Não entendia o motivo? Fizera algo errado? Iriam cancelar a sua aposentadoria?

Lá chegando, observou que o auditório estava repleto de pessoas. O que seria? Por fim, uma moça a levou até o palco, onde foi aplaudida de pé. Todos eram seus os ex-alunos, com seus filhos e alguns até com netos. Todos ali estavam para homenagear a professora tão querida.

A velha mestra não conteve o pranto. No fim, seu trabalho fora lembrado. Recebia, ainda que com certa demora, o que tanto lhe faltara e que todos necessitam: reconhecimento.

2003 

 

NOVA VIDA

Havia perdido o sentido de viver. Nada tinha mais graça, tudo perdeu a cor.

Faltava sempre ao trabalho. O patrão ameaçava demiti-lo, mas nem ligava. Sentia-se morto, respirava por mero detalhe.

A esposa morrera há alguns meses. Havia sofrido muito, padecendo de uma doença incurável. Longa fora sua agonia. E ele a vendo ir aos poucos, sem nada poder fazer...

Recordava-se das festas, dos bailes que iam juntos. Sua esposa tão linda e tão elegante. Tão alegre e tão jovial.

De repente, ela havia sido reduzida a um farrapo humano: osso e pele. Não tinha forças, nem para se alimentar.

Quando o sofrimento de sua esposa finalmente terminou, ele tentou se matar. Seus amigos o impediram.

Passou a beber muito, a comer mal, vestir-se de qualquer maneira. Queria se destruir, acabar com a própria vida.

Sofreu um infarto. Foi conduzido a um hospital. Lá estava ele, numa cama, ligado a uma série de aparelhos que monitoravam os seus sinais vitais.

Consciente, pensava consigo:

- Por que não me deixam morrer, meu Deus!?

E unindo pensamento e ação tentou puxar os tubos que o mantinham vivo. Nesse instante, uma jovem enfermeira, entrou no quarto e o impediu:

 - Não faça isso, por favor!

 Ao ver o rosto daquela jovem, se encheu de espanto. Era idêntico ao de sua falecida esposa! Atônito, ficou mais tranquilo, adormeceu.

 Após este episódio, procurou um novo sentido para sua vida. Passou a ajudar obras de caridade, conversar mais com pessoas carentes. Parou de beber e não quis mais por fim à sua vida.

Voltou ao trabalho, onde em algum tempo, foi promovido.

Retornou ao hospital e procurou se informar sobre a jovem enfermeira que lhe salvara.

Mas lá, ninguém sabia dizer quem era.

Deus está sempre olhando por nós e envia seus anjos para nos socorrer.

 2003

A CAIXA MÁGICA Quando era estudante na UFLA, lá pelos idos de 2001, um professor contou-me esta  historinha que julgo ser salutar e edifican...