O BAILE
Conhecia bem aquele olhar. Sentia que aquela moça queria conversar com ele. Porém tinha medo de uma aproximação.
Ele temia ser rejeitado, sentir-se humilhado. Medos de um garoto tímido.
Mas, ela era tão bonita! O corpo já formado, um belo sorriso.
Será que estaria realmente sozinha? Não haveria um namorado, em algum lugar?
Sentia que se arrependeria amargamente se não, pelo menos, conversasse com ela.
O baile continuava. As músicas se sucediam numa harmonia incrível.
E ele parado; ela parada, num impasse que poderia durar para sempre.
Contudo, ele sentia crescer, dentro de si, uma força irresistível, incontrolável, que o fazia querer se aproximar dela.
Sentia um frio na barriga, tão comum quando se está diante de um desafio.
Por
fim, aproximou-se dela.
Não sabia, ao certo, o que dizer. As palavras não saíam de sua boca.
Contudo, passados alguns instantes, sentiu-se mais confiante e conseguiu dizer alguma coisa.
Descobriu que, se demorasse mais alguns minutos, ela iria embora. Não era daquela cidade e suas amigas tinham a deixado sozinha, indo dançar com os namorados.
Ele a convidou para dançar. E durante, uma dança, houve o primeiro beijo dos dois.
Namoraram, casaram-se e tiveram os seus filhos.
A vida é repleta de situações similares como essa: qual o momento certo para avançar, permanecer ou recuar? Na realidade, a própria existência se resume a isso; as terríveis e inevitáveis escolhas.
O momento pode passar por nós. Portanto, deve-se sempre tentar e se, não for a hora certa, tenhamos paciência. Mas, quem sabe: poderá haver um pote de ouro no fim do arco-íris...
2003
O CORAÇÃO DO FILHO
Fazia tudo por aquela mulher. Jogava-se aos seus pés, satisfazia todos os seus caprichos.
Estava totalmente dominado por uma paixão que, a cada dia, tornava-se um vício repugnante.
Dilapidava a fortuna de sua família comprando todo tipo de presente para ela. A esposa tentava detê-lo, mas ele a intimidava com ameaças.
Aquela mulher tinha uma mente perversa. Já tinha tudo o que queria daquele homem, mas ainda desejava uma última coisa. Prometera a ele que, se satisfizesse este seu último pedido, ela seria dele para todo o sempre.
Os olhos daquele pobre homem brilharam. Com a voz embargada pela emoção, perguntou o que seria este último pedido.
Com o olhar frio e lancinante, fulminou:
- Se realmente me amas, quero que me traga o coração do seu filho!
Ao ouvir isso, o homem se encheu de pavor. Ela não poderia estar falando sério. Será que entendera bem?
Ela repetiu. O homem caiu num abismo, um vão se abriu sob seus pés.
Saiu
dali e caminhou até sua casa.
O filho veio recebê-lo, com aquele sorriso que ele conhecia muito bem. Disse que iriam passear. A criança concordou.
Em algumas horas, o homem retornou à casa da amante. Ela, ao saber que era ele, ficou muito aborrecida, pensando em que ele viria para somente importuná-la.
O recebeu, mas notou que sua face era soturna, sombria.
Trazia
um embrulho e o jogou no chão, dizendo:
- Toma! Isto é o que pediste!
A mulher apanhou o embrulho e o abriu com cuidado.
Ao descobrir o seu conteúdo, quase teve um colapso: era o coração da criança, pequenino, que ainda batia!
O
QUADRO
Aquele
famoso pintor acabara de se casar com uma mulher belíssima.
Extasiado com a beleza de sua esposa, decidiu que a pintaria num retrato.
Partiram para uma casa no campo, afastada de qualquer interferência de terceiros.
Lá
chegando, o artista preparou a tela, arrumou as tintas. Pediu para que sua
mulher se sentasse num banco e começou a pintá-la.
Pintava com firmeza e perfeição, dignas do seu talento, dignas desta nobre arte.
A
esposa permanecia imóvel, qual uma estátua, não esboçando qualquer movimento,
por menor que fosse.
Os dias se passaram e o pintor se esquecera de comer ou dormir. A conclusão daquela obra lhe tirava qualquer apetite ou sono.
Passava horas a fio pintando; se julgava que a pintura não estava perfeita, jogava-a fora e começava tudo novamente. Fazia esboços no papel freneticamente, tomado por uma paixão avassaladora.
Os pais da mulher queriam visitá-la, mas ele impedia qualquer pessoa de aproximasse da sua modelo, alegando que atrapalharia a sua obra-prima.
Passaram-se meses e o quadro ainda não estava concluído. Ele nunca estava satisfeito: sempre havia algum detalhe, alguma nuance que deveria ser acrescido ou retirado.
Permitia à esposa e a si mesmo poucas horas de sono e uma alimentação incipiente.
A saúde da mulher começava a se deteriorar, mas por muito amar o seu esposo, nada lhe revelava.
Numa tarde de primavera, o artista, finalmente, deu os traços definitivos à sua obra.
Tomado por uma incrível euforia, exclamou a plenos pulmões:
- Terminei! Veja querida! Venha ver! Como ficou perfeita!
Mas, esposa não compartilha a alegria do marido. Fica inerte, sem pronunciar palavra.
Preocupado, o homem caminha em sua direção.
Parece que está adormecida. A toca, levemente, e se enche de horror: está gélida. Está morta.
2003
A ENFERMEIRA
O
soldado havia sido gravemente ferido pela artilharia inimiga.
Levado pelos seus companheiros de pelotão para um hospital de campanha, sentia a vida se esvaindo. Pela sua mente, passavam os momentos felizes junto a seus pais.
Delirava, acometido por uma dor lancinante que lhe cortava por dentro.
Colocaram-no numa cama e deixaram-no aos cuidados das enfermeiras, já sobrecarregadas, tentando atender centenas de outros feridos. Mas seus colegas nada mais podiam fazer: deveriam voltar para os campos da morte, aos sangrentos combates daquela guerra sem sentido.
O jovem já começava a agonizar.
Sua hemorragia só aumentava. A dor havia lhe tirado os sentidos.
Nesse instante, uma jovem enfermeira, passou a cuidar dele. Com os parcos recursos que tinha, aliado à sua habilidade, conseguiu estancar a hemorragia. O rapaz estava salvo.
Reparou no rosto daquele soldado: apesar de pálido e sujo de lama, era muito belo. O soldado também ficou encantado com as feições daquela jovem. Mas muito fraco, nada pôde dizer: exaurido, caiu em um sono profundo.
Passado algum tempo, foi assinado o armistício.
Os soldados puderam retornar para os seus lares, para as suas famílias.
O jovem, já totalmente recuperado, estava entre os que voltaram.
Começou a administrar os negócios do pai, um grande industrial. Mas não se esquecera daquela jovem enfermeira que lhe salvara a vida. Tinha feito esforços para encontrá-la, mas todos baldados.
Passaram-se mais alguns anos.
Certo dia, ao fazer uma vistoria na linha de produção de uma de suas fábricas, passando por uma jovem funcionária, sentiu o coração bater mais forte. Se deteve perto dela e ao olhar o seu rosto, não teve dúvidas: era a enfermeira que o salvara!
Emocionado, lhe agradeceu por salvar a sua vida.
“Quem planta o
bem, colherá o bem e o colherá em grande abundância”.
2003
SALVADORA
Todos
os transeuntes pararam para ver o rapaz, no alto do prédio, ameaçando se jogar.
Andava de um lado para outro; ameaça pular se alguém chegasse perto dele. Os policiais não sabiam o que fazer, os bombeiros estavam diante de um impasse. Certo momento, o rapaz ameaçou se jogar em direção ao vazio, mas recuou. O clima estava tenso.
O comandante da polícia não queria mandar soldados, pois temia que acontecesse o pior. Por fim, escolheu uma jovem soldado que tinha acabado de ingressar na força policial. Ela não hesitou em aceitar a sua missão.
Foi até onde o rapaz estava e aproximou-se com cuidado.
Ele ao notar a sua aproximação, correu para a beirada do prédio, ameaçando pular, caso ela não se afastasse.
Todavia, a soldado com paciência e firmeza, o fez desistir do insano intento.
Com palavras firmes e calculadas, foi ganhando a confiança do rapaz. Após uma longa negociação, ele resolveu que não daria fim à própria vida. Saiu de mãos dadas com a soldado, sob os aplausos da multidão.
A jovem recebeu uma medalha pelo seu ato e apareceu em muitos jornais e canais de televisão.
Tempos depois, ela já uma oficial, encontrou o mesmo rapaz num curso da academia de polícia. Ele também era policial e estava fazendo um curso para poder voltar à ativa.
Conversaram, namoraram e se casaram.
Os dois, segundo seus colegas de farda, formam um casal perfeito, tanto dentro, como fora da corporação.
E a todos, os quais, apresenta sua esposa, ele é enfático em afirmar:
- Esta mulher me salvou a vida duas vezes!
2003
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