segunda-feira, 29 de abril de 2024

FRONTEIRA TÊNUE

Trabalhava duro. Todos os dias da semana, sem parar. Fazia hora extra. Tudo para satisfazer sua mulher que cada vez exigia mais.

Ele a amava muito. Amava de uma maneira incomensurável. Seu amor por aquela mulher superava todas as possibilidades imagináveis. Sempre estava disposto a lhe dar qualquer coisa, fosse o que fosse, custasse o que custasse. Por isso trabalhava tanto.

Porém, ela, aos poucos, começou a se desinteressar por ele. Sentia-se entediada. Não possuía a mesma vontade de permanecer ao lado dele, quer fosse em casa ou nos acontecimentos sociais.

Sentia o desejo de sair daquela rotina, de conhecer outras pessoas, outros lugares. Ele não a deixava sair de casa sozinha, com medo de perdê-la.

A situação do casal se deteriorava. Ela ameaçava, todo dia, em ir embora.

Ele se jogava aos seus pés, lhe oferecia as joias mais caras. Aquele amor já não era mais o mesmo para ele. Tornara-se uma doença, cuja única cura era a presença dela. Passou a vigiá-la dia e noite, contratou até um detetive particular. Não queria perdê-la. Não podia perdê-la.

Numa tarde, ela conseguiu escapar de sua vigilância. Quando ele chegou e percebeu que ela não estava mais lá, foi tomado pelo ódio e jurou se vingar.

Arrumou uma arma e a perseguiu pela cidade. Encontrou-a na rodoviária, pronta para embarcar. Aproximou-se e disparou vários tiros, diante de várias pessoas.

Foi preso e condenado.

Sem dúvida, o amor é o sentimento mais nobre que o ser humano pode possuir. Quando se torna doentio e possessivo, causa sofrimento, dor, morte. Transmuta-se em ódio.

Uma fronteira frágil, tênue, separa estes dois sentimentos tão antagônicos. 

2001

 


O ÚLTIMO ANIVERSÁRIO

Casaram-se na primavera. As flores enfeitavam a igreja no dia da cerimônia. Depois do casamento, houve uma festa na mansão do marido. Ele, um rico e solitário, havia se casado com uma mulher trinta anos mais jovem. A família dele foi totalmente contra.

Muitos comentavam que aquela jovem só estava interessada nos bens dele, interessada em seu dinheiro. Outros, mais conservadores, viam naquela união um tremendo absurdo, pois ele tinha idade para ser pai dela. Mas apesar de tudo e de todos, eles se casaram e tiveram uma luxuosa lua de mel.

Ele um homem já vivido e embrutecido pelas agruras da vida, sentia nela uma força nova que o parecia invadir, tornando o seu espírito mais jovial e alegre.

A juventude da esposa, suas brincadeiras, seu jeito tão gracioso e, até certo ponto, inocente de ser, o enfeitiçavam como se bebesse uma poção mágica.

A esposa, por sua vez, sentia naquele homem maduro, a segurança e a confiança que tanto lhe faltavam.

Passaram-se as estações.

Ele tentava acompanhar a vitalidade da esposa, mas sentia o peso dos anos. Sentia que não suportaria por muito tempo.

A jovem mulher começou a lhe parecer distante, perdida qual uma miragem no deserto.

Mas ela nunca o abandonou; sempre esteve presente ao seu lado, cuidando de seus medicamentos, velando seu sono.

Então, uma doença o fez ficar permanentemente na cama. Não podia mais passear com a esposa, de braços dados, pelos jardins e bosques da mansão. Sentia que o fim se aproximava.

Um dia chamou a esposa. Era primavera. Ela veio o mais rápido que pôde. Pediu que segurasse sua mão e lhe dissesse se fora realmente feliz com ele. Ela disse que sim. E, segurando a mão da esposa, morreu.

Exatamente naquele mesmo dia faziam aniversário de casamento.

 2001

 

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