quinta-feira, 6 de junho de 2024

A MOÇA DA JANELA

Todos os dias, aquele rapaz passava por aquela rua, indo para o trabalho, e sempre via, a mesma moça na janela.

Era linda: não deveria ter mais do que vinte anos. E ela sempre sorria para o rapaz.

O tempo foi passando e ele sentiu totalmente atraído por aquela moça. Nunca a havia visto nas festas da cidade; somente a via na janela de sua casa. Por fim, descobriu que estava completamente apaixonado.

No outro dia, ao passar por aquela rua, viu a moça na janela, mas desta vez, não iria passar direto: se deteve em frente ao portão da casa e decidiu entrar.

Ao vê-lo, a moça entrou. Ele ficou sem compreender. Tocou a campainha da casa.

Veio lhe atender uma senhora idosa, de aparência sofrida.

O rapaz perguntou se poderia conversar com a jovem que morava naquela casa. A mulher ficou atônita: disse-lhe que não morava moça alguma, vivia sozinha.

Não acreditando na mulher, entrou um pouco mais e viu um retrato da jovem na parede da sala. Apontando disse:

 - Aquela ali. A do retrato!

 A mulher levou as mãos ao rosto e pôs-se a soluçar: O rapaz não entendeu a reação daquela senhora.

 - O que houve? Disse algo demais!?

 - Que brincadeira de mau gosto – retrucou a mulher.

 - Como assim!? – redarguiu o rapaz. A vi há poucos minutos na janela!

 - Como se ela morreu há vinte anos! – fuzilou a senhora.

 O rapaz sentiu-se sem chão. As pernas bambearam e o seu rosto ficou lívido. A senhora fez questão de levá-lo ao quarto da filha, intacto desde sua morte. Havia uma foto na cabeceira da cama. Era de outro jovem, noivo daquela moça, bem parecido com o rapaz.

 A mulher lhe explicou que sua filha iria casar, mas foi acometida de uma doença incurável que a matou. E reparando na semelhança física, disse:

 - De fato, você é bem parecido com ele!

 O rapaz foi embora, pediu desculpas à senhora e nunca mais passou por aquela rua.

2003


O CASACO MARROM

Fazia um frio terrível. O vento batia nas árvores, fazendo um barulho assustador.

Numa pobre casa, a velha mulher gemia, delirava, vítima de uma febre. Sentia a vida se esvaindo a cada minuto.

Quem poderia chamar um médico que morava a alguns quilômetros dali?

O médico, em sua casa confortável, sentado em sua poltrona, lia o jornal, em frente à sua lareira imensa, alheio ao frio que fazia lá fora.

De repente, a campainha toca. O médico levantou-se e foi atender.

Era uma garotinha, dez anos no máximo, envolta num casaco marrom:

- Doutor, minha mãe está doente! Precisa ir vê-la agora!

- Claro que sim! Onde ela mora?

- Naquela casa, lá embaixo. – respondeu a menina.

- Espere que vou me aprontar!

O médico foi até seu gabinete, apanhou sua maleta e colocou um agasalho.

Estava preparado para sair, mas a menina já tinha ido embora.

- Deve ter ido na frente, avisar a mãe – pensou consigo.

Depois de uma caminhada debaixo do frio que castigava, chegou à casa da mulher e a atendeu. A medicou e o seu quadro melhorou em pouco tempo.

Antes de ir embora, o médico lhe deu os parabéns, por possuir uma filha tão dedicada e amorosa.

A mulher olhou espantada e disse-lhe:

- Filha!? Eu não tenho filha. Aliás, tinha uma filha, mas ela faleceu há muitos anos. Só o que me restou dela é este casaco marrom.

O médico, transtornado pela fala da mulher, pediu para ver o casaco.

Ela lhe mostrou e o homem ficou boquiaberto: era o mesmo casaco, sem dúvida, que a menina filha daquela mulher, tinha usado horas antes, pedindo ajuda para a sua mãe doente.

2003

  

O VESTIDO DE NOIVA

Faltava pouco para se casarem. Depois de tanta luta e sacrifício, enfim, iriam realizar o sonho de suas vidas.

Ela cuidava dos últimos retoques da festa e ele distribuía os últimos convites. Eram o retrato da felicidade.

Numa manhã, ela experimentou o vestido de noiva que iria usar na cerimônia. Estava lindíssima.

Estava nisso, quando ouviu a campainha. Esperava não ser o seu noivo, pois não queria, em hipótese nenhuma que ele a visse deste modo, pois traria falta de sorte.

Na verdade, era um antigo namorado. Vinha lhe dar os parabéns pelo casamento.

Ela sentiu algo estranho: ele que a fizera sofrer por algum tempo, a tratara mal, a humilhara, tinha vindo lhe dar os parabéns. Ela tinha superado tudo, se reerguido, encontrado um rapaz que a amava imensamente.

Sentiu medo de admitir, mas não podia esconder os fatos. Ainda o amava, ainda estava apaixonada por ele.

Ele já iria embora, mas ela pediu que ficasse.

E não houve jeito: aquela paixão veio à tona num beijo demorado.

Por fim, ela se deu conta do que fizera. Sentia nojo, ojeriza de si mesma.

Mas ela a convenceu a fazer o que ela queria, mas não tinha capacidade de imaginar: fugir.

Dominada por algo maior do que ela, assim o fez: tirou o vestido, colocou-o no manequim, arrumou sua mala. Antes de ir embora, escreveu um bilhete, prendendo-o, com um alfinete, no vestido.

O noivo, ao chegar do trabalho, entrou na casa, chamando pelo seu nome. Não houve resposta.

Ao chegar ao quarto, encontrou o bilhete, onde ela lhe implorava o perdão, pedindo que entendesse.

O rapaz foi tomado por uma fúria tamanha e descontou no vestido de noiva, que foi reduzido a trapos, testemunha de mais uma desilusão amorosa.

                                                                     2003


A CAIXINHA DE MÚSICA

A mulher acorda. Dorme só. O marido está viajando, pois é vendedor. Ganha muito pouco, mal dá para as despesas do mês.

Acorda o filho para ir à escola. Prepara o seu café e ele toma, rápido. Beija a mãe e sai correndo em direção ao colégio.

Começa a arrumar a casa, sua rotina interminável: limpa, varre, lava. Quando se dá conta, é hora de preparar o almoço, pois seu filho está para chegar.

Antes, se olha no espelho.

Ainda é bonita, apesar dos afazeres domésticos e do relativo desleixo que tem com sua aparência.

Penteia os cabelos. Abre a gaveta da carcomida penteadeira e retira uma caixinha de música, destas que não se fabricam mais.

Abre a sua tampa e uma melodia enche o quarto. A música a faz voltar para um tempo que não volta, seu tempo de juventude.

Namorou um rapaz algum tempo. Fora ele quem a presenteara com aquela caixinha de música, presente de um ano de namoro.

Porém, acabaram por se separar. Ela se casou jovem. Ele foi para a capital, onde trabalhando duro, conseguiu vencer na vida.

A mulher pensava alto: será que ele ainda se lembrava dela?

A campainha tocou. Ela foi atender.

Ao abrir a porta, deu de cara com seu antigo namorado.

Com a voz embargada, pede que entre.

O homem senta-se no sofá da humilde casa. Diz que está visitando seus parentes e revolveu também lhe fazer uma visita.

Começam a conversar sobre a vida e ela descobre que ele tem um bom emprego na capital, se casou e é pai de dois filhos.

De repente, se instala um silêncio no ar.

Ela diz que vai à cozinha, mas ele a segue.

A segura pelo braço e lhe pergunta:

- Você me esqueceu? Pois eu nunca te esqueci!

Lá dentro, a caixinha de música, misteriosamente, começa a tocar.

Falta pouco para um beijo. Nisso, o filho dela chega:

- Mãe, já cheguei! Já fez o almoço?

Os dois, como que despertos de um sonho, se afastam.

O homem sai apressado. Nem sequer se despede dos dois. O menino fica curioso:

- Quem era este homem, mãe?

- Ninguém, filho. Ninguém.

E esconde uma lágrima que rola em seu rosto.

                                                                         2003


A HERANÇA

O homem já sentia a morte se aproximar. Deitado, já sentia suas forças se esvaindo.

Em sua mente, lhe viam os episódios de sua vida, os acertos e os erros. Lutara. Lutara muito.

Trabalhara duro e por isso, não vira os seus filhos crescerem. Perdera o melhor de seus filhos. Isso fazia o seu coração opresso.

Queria se despedir deles. Mandou que os chamassem.

Eles vieram, um a um, com os olhos marejados d`água, pois já sabiam do destino paterno. Os médicos nada mais podiam fazer. Restava esperar o derradeiro desfecho.

O pai, ao vê-los, juntos suas esquálidas forças e sentou-se na cama. Podia ver todos: do primogênito ao caçula. Todos estavam lá.

- Não fui um bom pai para vocês. Fui ausente em muitos momentos. Peço que me perdoem! – disse, com voz fraca.

Os filhos ficaram atônitos, sem saber o que falar.

Por fim, um filho, lhe deu uma resposta:

 - Realmente, pai, o senhor não estava presente quando mais precisamos do senhor.

 No entanto, nos deixou como herança, duas letras E de valor incomensurável.

 O velho não entendeu. Pediu a ela que explicasse.

 Ao que ele redarguiu:

 - Os dois E são: Exemplo e Educação.

 Lágrimas rolaram na face enrugada daquele homem. Depois de ouvir isso, pôde tranquilo, dormir o sono eterno, cônscio de que cumprira a sua missão de pai.

 Os pais podem deixar para seus filhos muitos bens. No entanto, a herança mais duradoura e inesquecível, a qual ninguém pode tomar, são de fato o Exemplo e a Educação.

 2003


O MENINO DO CARRINHO

O menino empurra, com custo, o seu carrinho, onde junta sucata para vender e ajudar a mãe que está doente e não pode trabalhar. Não conhecera o pai e não sabe se o mesmo está vivo ou morto.

O carrinho está apinhado de sucata. É um peso demasiado grande para uma criança de sua idade.

Mas, empurra-o, buscando, dentro de si, mais forças que possui.

Em certo momento, para em frente a vitrine de uma loja de brinquedos. Fica ali, mirando aqueles brinquedos tão belos e que nunca teve. Encosta o seu rosto na vitrine, para melhor vê-los.

O dono da loja, ao notar sua presença, admoestá-lo:

- Sai daqui, moleque. Vai sujar o vidro! Vou chamar a polícia.

Ele sai cabisbaixo, sob o olhar dos transeuntes, sentindo-se a pior das criaturas.

Está quase chegando ao lugar onde vende a sua sucata e ganha uns míseros trocados.

Tem que descer uma ladeira. Mas, como o carrinho está muito pesado, perde o controle do mesmo, que desce desgovernado, quase atropelando uma senhora.

Todo o seu conteúdo fica espalhado no meio da rua. Alguns riem, outros demonstram pena, mas ninguém o ajuda.

Ao ver a cena, o menino começa a chorar alto.

Um senhor passa perto dele e se comove. O convida para ir a sua casa que ficava ali perto.

Os dois caminham alguns metros e, por fim, chegam à casa daquele senhor.

Na verdade, se trata de um casarão, com um amplo jardim frontal.

Entram e ele lhe revela que mora sozinho; somente uma faxineira vem, semanalmente.

Oferece um lanche ao menino, que o devora com rapidez.

Assim que ele termina, o leva à biblioteca que possui. É muito grande, com muitas estantes, com centenas de livros.

Nota que os olhos do menino ficam encantados com aqueles livros. Então lhe propõe:

- Tenho aqui livros que comprei há muitos anos. Preciso organizá-los, mas não tenho tempo, pois preciso cuidar de meus negócios. Proponho que os organize para mim e para isso, lhe pagarei uma quantia semanal.

O menino quase não acredita no que ouve. Não precisará mais empurrar aquele pesado carrinho! Aceita na hora!

No dia seguinte, lá estava ele, na porta do casarão.

Aos poucos, aquele senhor foi lhe ensinando a catalogar os livros, colocá-los em ordem.

E o menino adquiriu o hábito da leitura. Passava horas e horas lendo.

Depois que sua mãe falecera, passou a morar no casarão. O homem o adotou como filho e o matriculou no melhor colégio da cidade.

Logo, começou a cursar a Faculdade de Medicina, onde se destacou.

Na formatura, aquele senhor estava presente, mesmo com a saúde combalida. Após a cerimônia, os dois se abraçaram e choraram, juntos de felicidade.

O seu benfeitor morreu pouco tempo depois.

Aquele menino, que puxava aquele carrinho com sucata, havia se tornado um médico de fama nacional.

E veja só como são as coisas: o primeiro paciente que ele atendeu foi o dono da loja de brinquedos...

                                                       2003


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