terça-feira, 4 de junho de 2024

 A PROVA

Todos conheciam o coronel naquela região. Mandava e desmandava no lugar.

Tinha uma filha, mas não deixava homem algum chegar perto. Só a deixava ir à missa, acompanhando a mãe. Baile ou festa sozinha, nem pensar.

Havia naquele lugarejo um rapaz esperto.

Precisava quitar uma dívida e estava sem um tostão no bolso. Porém, maquinou uma ideia que lhe salvaria daquela enrascada.

Foi até o dono da mercearia, o homem mais rico do povoado, depois do coronel, e lhe propôs uma aposta: se conseguisse passar uma noite com a filha do coronel, a sua dívida seria perdoada.

O merceeiro começou a rir. Estava louco! Se o coronel sonhasse com tal possibilidade, ele o mandaria matar sem dó nem piedade.

Mas, o rapaz era insistente e fez o comerciante aceitar a sua aposta. Todavia exigiu do rapaz uma prova: uma roupa de baixo da filha do coronel. E se não conseguisse trazer tal prova, sua dívida para com ele seria dobrada.

O rapaz concordou; apertaram as mãos e se dirigiu à fazenda do coronel. O merceeiro já cantava vitória.

Antes de ir para à fazenda do coronel, passou em casa, apanhou um saco. Nele havia um chapéu de mágico e uma capa já surrada. Havia também uma caixa, com apetrechos de mágica.

Chegando à fazenda, colocou o chapéu e a capa e disse aos jagunços que vigiavam a entrada que viera para divertir o coronel e a sua família. Um deles foi comunicar ao coronel.

O coronel já conhecia o rapaz e, admirado, pediu para ele entrasse. Chamou a esposa e a filha para assistirem o espetáculo.

O rapaz realizou truques de mágica com o baralho e com a cartola.

Como já estava ficando tarde e o coronel, já cansado, pediu para que finalizasse a sua apresentação. Eram as palavras que ele desejava ouvir: meio sem jeito, disse que seu último truque era bem complicado e difícil. E sem meias palavras disse que iria precisar de uma roupa de baixo da filha do coronel!

Ele, a princípio, protestou, até ameaçou surrar o rapaz. Contudo, vencido pelos apelos da esposa e da filha, encantadas pelos truques do mágico, aquiesceu, deixando que a filha fosse buscar a peça.

Ela a trouxe e, meio sem jeito, a entregou ao rapaz. Era uma peça rendada, comprada nas lojas da capital, com o nome da moça bordado.

Então, ele fez uma série de gestos estranhos, falou palavras incompreensíveis e a peça sumiu!

Faltava trazê-la de volta, mas nada do que fez funcionou. Sem jeito, pediu muitas desculpas ao coronel. Mas ele não ligou muito: já era tarde e queria somente dormir.

Deu uma gorjeta ao mágico e pediu para ir embora.

Na manhã seguinte, chegou à mercearia, chamou o merceeiro num canto e lhe mostrou a prova: a calcinha da filha do coronel.

O homem protestou, amaldiçoou o rapaz, mas se deu por vencido, perdoando a dívida.

Duvidou que ele tivesse passado uma noite com a filha do homem mais temido das redondezas.

Mas, ele estava de consciência tranquila: tinha trazido a prova combinada e passara, de fato, uma noite com a filha do coronel. Mesmo que fazendo apenas truques de mágica.

 

DESTINO

Era um policial.

Exercia, determinado, a sua profissão. Todos, no distrito, o admiravam por sua dedicação, amor ao trabalho e à honestidade.

Por ser tão honesto, não galgara muitos postos na corporação. Mas, não se incomodava com isso: podia dormir sossegado à noite, com a consciência em paz, certo do dever cumprido e poder deixar um bom exemplo para seus filhos.

Havia, porém, uma coisa que o deixava inquieto: seu irmão era um famoso assaltante de bancos. Poucos sabiam disso.

Uma noite, houve um assalto num grande banco da cidade. Os ladrões foram descobertos e foram cercados pelos policiais.

Cientes de sua condição difícil pediram para conversar com um policial, pois queriam se entregar sem resistência.

Ele foi escolhido para negociar com eles, pois fora treinado para este tipo de situação.

Ao entrar, descobriu, que um dos ladrões era o seu irmão. Ficou desnorteado, mas soube ocultar.

O irmão, ao vê-lo, o abraçou. Fazia tempo que não se viam. Mas ele, permaneceu imóvel, distante e frio.

- Você está ainda nesta vida! – disse o policial.

- Faço o que gosto! Mas, você está aqui para me ajudar, não é? – respondeu o bandido.

- Aqui, não posso! Você é o bandido e eu sou o policial! O melhor é se entregar. – falou ele.

Um dos ladrões, ao ver aquela situação, perdeu o controle e começou a atirar.

Uma das balas iria atingir o policial, mas seu irmão ficou em sua frente. A bala atingiu o coração do homem, matando-o instantaneamente.

Os outros policiais invadiram o prédio, rendendo os demais assaltantes.

O policial se abaixou e, chorando, abraçou o corpo inerte do irmão.

Lembrou-se da infância distante, das coisas que faziam juntos. Nas brincadeiras, sempre muito parecidos: determinados e ousados.

Todavia, seguiram caminhos diferentes na vida: ele o da lei, seu irmão, o do crime.

 

A MENINA

Aquela menina havia se tornado uma obsessão para ele. Desde que a vira, saindo da escola, não a conseguia mais esquecer.

Em casa, com a mulher e os filhos era ausente e distante: só tinha olhos e pensamentos para aquela menina que nem sabia o nome, nem onde morava.

O tempo passava e ele ia se convencendo que se, pelo menos, não conversasse com ela, ficaria louco.

No momento azado, a abordou.

Perguntou, de pretexto, onde ficava determinada rua. Ela, muito educada, lhe indicou.

E todos os dias, ele a perguntava sobre determinado endereço e ela lhe respondia prontamente. Perguntou se poderia acompanhá-la até sua casa. Ela disse que sim, sem perceber o perigo que corria.

Mas, o seu desejo aumentava a cada dia. E ao vê-la, assim tão perto de si, decidiu que iria sequestrá-la.

E realmente tentou o insano ato: a agarrou e ela tentou-se desvencilhar. Pessoas surgiram para socorrê-la e logo a polícia o prendeu.

Sua família ficou atônita, pois sempre fora um dedicado esposo e pai amoroso. De fato, não se entende. As pessoas quando tomadas por uma espécie de paixão obsessiva, não mensuram a consequência de seus atos. Prejudicam os outros e, sobretudo, a si mesmas.


A MÉDICA

O pai criava os filhos com rigidez. Exercia um tirânico controle, ainda mais sobre as filhas.

Elas deveriam ficar em casa. No máximo, irem à igreja. Bailes, quermesses, nem pensar.

Uma de suas filhas era muito inteligente e deseja estudar. Isto para aquele homem era um completo absurdo.

Porém, burlando a vigilância paterna, a menina começou a frequentar uma escola noturna. Quando o pai pensava que ela estava dormindo, ela estava aprendendo e se encantando com o mundo do saber. Tinha tomado uma decisão: queria ser médica.

Ao saber que sua filha estudava, o pai decidiu que lhe daria uma surra. Com medo, ela fugiu.

Foi para a capital, praticamente com a roupa do corpo. E lá conheceu o mundo: pessoas boas e ruins passaram em seu caminho.

Arrumou emprego de faxineira, empregada doméstica, caixa em supermercado.

Trabalhava de manhã e a tarde. Estudava a noite. Nunca abandonou os estudos, por mais dificultosa que fosse a sua situação.

Com a ajuda de uma ex-patroa, conseguiu entrar na faculdade de Medicina. Em pouco tempo, já era a primeira da turma, conseguindo uma bolsa de estudos, o que lhe permitiu viver com algum conforto.

Formou-se. Fez residência em muitos hospitais.

Um dia, chegou uma ambulância vinda do interior. Era um caso grave e ela foi chamada para atender um senhor que já estava entre a vida e a morte.

Ela, com todo o seu conhecimento e habilidade, o fez voltar à vida.

Quando o homem abriu os olhos, não podia acreditar: era a sua filha!

Abraçou-a e pediu perdão por tudo que a tinha feito passar.

Ela o convidou para morar com ela, no apartamento que há pouco comprara. Mas, ele recusou.

Voltou para o interior. E a filha sempre o visitava, cuidando de sua saúde.

E assim, ele viveu por mais alguns anos, sossegado e sereno, como se tivesse tirado um enorme fardo de suas costas. E morreu, adormecido, tranquilo. Em paz.

 

A VINHA DO REI

O rei estava muito nervoso. Estava assim há anos. O motivo do seu mau humor era não encontrar um vinho que satisfizesse o seu paladar exigente.

Era um grande admirador de vinhos. Possuía, em sua adega, uma enorme variedade, alguns raríssimos, que valiam uma fortuna. Mas, nenhum destes vinhos, tão caros e valiosos, parecia agradar ao rei que governava de maneira despótica aquele país.

O povo ameaçava se rebelar, os ministros o alertavam para a situação periclitante que se encontrava o reino, mas ele só se preocupava com a busca do vinho ideal.

Mandou seus emissários aos confins da terra, aos países mais longínquos para lhe trazerem este vinho especial.

Muitos morreram nestas viagens. Outros se perderam e nunca mais foram encontrados.

E o rei continuava sendo cruel com seu povo, aumentando os impostos que já eram altos.

Um dia, o rei estava passeando pelos pátios de seu castelo, quando viu um criado que vinha trazendo uma jarra de vinho. Fazia calor e o rei cansado e desiludido de sua busca sem fim, ordenou ao servo que lhe desse um pouco daquele vinho.

O servo, obediente, buscou uma taça e encheu-a de vinho para o rei.

Ele bebeu e achou o seu sabor excelente! Sua busca havia terminado! Encontrou o seu vinho afinal!

Perguntou ao criado onde havia conseguido aquele vinho.

Ele lhe respondeu:

- Ora, meu senhor, em sua vinha.

O rei custou a acreditar. Com o coração apertado, descobrira que sua busca fora inútil: o melhor vinho era produzido em suas próprias terras.

Após este episódio, o rei mudou. Ouviu seus ministros, respeitou o seu povo e o país prosperou.

“Muitas vezes, procuramos coisas que nos agradam em lugares muito distantes. E elas podem estar bem perto de nós”.

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